Casemiro faz de pior ano o ‘melhor’ e se reergue
NELSON ALMEIDA/AFP - Casemiro. Volante está de volta à seleção após um ano e meio,
e virou o elo entre Ancelotti e os demais jogadores do grupo
Trazido de volta à seleção por Carlo Ancelotti, volante do Manchester United ressignifica o conceito de vitória após resistir à maior crise individual da carreira e vira braço direito do treinador italiano dentro do elenco
9 Jun 2025 - O Globo
RAFAEL OLIVEIRA rafael.oliveira@extra.inf.br SÃO PAULO
Enviado especial
Nem faz muito tempo. Em 7 de fevereiro, Casemiro assistiu à praticamente todo o jogo do Manchester United contra o Leicester, pela Copa da Inglaterra, do banco. Quando finalmente entrou em campo, a partida terminou no minuto seguinte. Dos oito jogos anteriores àquele, em sete o volante foi apenas um reserva não utilizado — algo inédito em sua carreira. Corta para os dias atuais. Com a titularidade retomada, o mesmo jogador é considerado pela torcida o destaque do final de temporada do clube e está de volta à seleção brasileira após um ano e meio ausente. Mais que isso, como homem de confiança de Carlo Ancelotti. É seu braço direito dentro do elenco.
— Sem dúvida é um dos anos mais importantes da minha carreira. Se não for o mais importante — avalia o jogador, a despeito das temporadas multicampeãs vividas no Real Madrid.— Claro que todo mundo quer falar de títulos, de vitórias, de grandes jogos. Mas, a partir do momento que você não joga, consegue mudar a opinião de um técnico que não te coloca para jogar e acaba recebendo até muitos elogios desse treinador, sem dúvida foi um dos anos de mais resiliência que eu tive. É um dos anos mais felizes,umdosmaisvencedores da minha carreira.
O técnico a quem ele se refere é Ruben Amorim, que assumiu o United no fim de 2024. É verdade que a fase do volante já não era boa com o antecessor, Erik Ten Hag. Tanto que ele vinha sendo deixado de fora das convocações do então técnico Dorival Junior. Mas seu inferno astral escalou muitos níveis com o português, que chegou a dar a entender, numa entrevista, que não via compatibilidade entre seus conceitos e as características de Casemiro.
IDENTIFICAÇÃO ANTIGA
A recuperação do brasileiro passa por uma série de caminhos. Dentro de campo, Amorim sofreu com uma série de lesões que o obrigaram a considerar Casemiro como opção. Fora das quatro linhas, os dois alinharam expectativas e evitaram mal-entendidos.
— Fui conversar com o treinador e ele, sempre muito aberto comigo, falou que não era nada contra mim, era uma opção dele. Eu tinha que seguir trabalhando e esperar a oportunidade e aproveitar. Então, esperei e, quando joguei, correspondi à altura o que ele pediu — contou o jogador, que entende ter sofrido os efeitos de uma crise coletiva. — Não acho que tive uma recaída tão grande no aspecto individual. Mas, quando o clube não joga bem, tem que haver mudanças.
Com a Amarelinha, não houve tempo para uma conversa, já que Dorival Junior foi demitido em março. Mas o volante evitar falar dele com mágoa. Afinal, os tempos são outros. Casemiro não esconde a felicidade de ver, na seleção, o técnico com o qual mais tem identificação na carreira.
A sinergia entre os dois é tão grande que, enquanto ainda negociava com a CBF, Ancelotti falava com o volante para ficar mais informado sobre o universo da seleção brasileira. Já nos treinos, são comuns cenas da dupla conversando. Embora não tenha recebido a faixa de capitão (mantida com Marquinhos), Casemiro é seu principal elo com os demais jogadores.
— Tive a felicidade de ter trabalhado com ele na primeira passagem (de Ancelotti ) no Real (Madrid) e na segunda. E, sem dúvida, um dos pontos mais fortes dele é o que nós chamamos aqui no Brasil de lado humano. Essa relação que ele tem com os jogadores, a proximidade, a facilidade de lidar. Aqui não está sendo nada diferente. É uma grande pessoa, muito humilde, apesar do currículo que tem —elogiou Casemiro, para quem o país deve desfrutardessapassagemdoitaliano pela seleção. — São muitos anos no alto nível da pirâmide do futebol. Então, não só nós jogadores, mas vocês também, jornalistas, povo, futebol brasileiro, diretores, times. Vamos aproveitar. Porque são pessoas assim que fortalecem o futebol.
TROTE DE ESTREANTE
Tamanhaintimidadelhepermite até revelar que o treinador passou pelo trote da seleção, a brincadeira na qual todo estreante precisa cantar uma música na frente do grupo. Técnicos não costumam passar por ela, mas Ancelotti já havia se disponibilizado em sua apresentação. Apesar da humildade, não foi poupado de crítica.
— Canta mal demais — brincou o volante.
A música escolhida por Ancelotti foi “Il migliori anni della nostra vita” (“Os melhores anos das nossas vidas”), do também italiano Renato Zero. Um título sugestivo para a seleção e para Casemiro.
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RODRIGO BUENDIA /AFP
Carlo Ancelotti. O técnico e as deficiências da seleção
Um raio-x em 90 minutos
9 Jun 2025 - O Globo
CARLOS EDUARDO MANSUR - @carlosemansur esporteglb@oglobo.com.br
O Brasil conseguiu o que parecia impensável: fez Carlo Ancelotti experimentar, por alguns dias, a sensação de ser um daqueles técnicos “bombeiros” que o Campeonato Brasileiro fabrica. O italiano foi nomeado, viajou e reuniu-se com um elenco de cuja montagem ele até participou, mas não o fez sozinho, antes de dirigir três sessões de treino e colocar a equipe em campo. Após o insosso 0 a 0 de Guayaquil, ainda precisou explicar por que a exibição não tinha sido tão boa. Ou por que, em dados momentos, a proposta do time parecera conservadora.
Ainda se acredita em milagres por aqui.
Há motivos de sobra para que a segunda convocação de Ancelotti, daqui a distantes três meses, pareça mais autoral do que a lista feita a várias mãos para os jogos contra Equador e Paraguai. E até lá, aconteça o que acontecer amanhã, em Itaquera, os 90 minutos de Guayaquil terão fornecido material suficiente para Ancelotti obter um raio-x do futebol brasileiro atual. Como era natural esperar, o jogo remeteu a carências que se arrastam por todo o ciclo iniciado após o Mundial do Catar. Problemas que, diga-se, são reflexo da escola brasileira atual.
O mais evidente está no meio-campo. A volta de Casemiro acrescentou experiência e uma dose de segurança defensiva, mas a seleção tem dificuldade de encontrar homens que estabeleçam controle, ditem o ritmo, organizem o time de uma intermediária a outra. Bruno Guimarães é ótimo jogador, mas não tem tanta pausa, talvez por jogar num Newcastle que vive tentando atravessar o campo o mais rapidamente possível. E Gerson se destaca mais pela condução, pela força, e menos por ser um passador.
Nos últimos anos, a produção brasileira deste tipo de jogador tem sido escassa. Some-se a isso a fartura de atacantes velozes e habilidosos, torna-se tentador recorrer a um jogo de mais segurança defensiva e contragolpes rápidos. Pode contrariar a imagem idealizada de que o Brasil deve ter a iniciativa sempre, mas pode ser um “atalho” quando se tem um processo tão atrasado como este. Ancelotti é alguém adaptável aos jogadores que dirige, então, é impossível dizer que rumo irá tomar um projeto recéminiciado. Mas não seria surpresa se, especialmente em jogos contra grandes potências, apostasse em solidez atrás para liberar espaço para os talentos da frente.
Aí restaria outra questão: o camisa 9. Richarlison teve atuação abaixo do desejável no Equador. O coletivo não o ajudou, mas tecnicamente ele parece distante de seu melhor nível. Sua temporada pelo clube já não fora boa o bastante para que iniciasse como titular em Guayaquil. Matheus Cunha pode ser uma opção de um atacante mais móvel, ativo na construção de jogadas. Já Rodrygo, quando se recuperar, pode emprestar seu enorme talento como um falso 9. Não que a falta do centroavante vá decretar o futuro do Brasil. Olhando para a elite das seleções, é possível enxergar uma Espanha que não tem um grande centroavante. Aliás, ao contrário dos grandes clubes do mundo, que tudo podem comprar, as seleções convivem com posições mais carentes. O que parece mais difícil é encontrar uma grande seleção sem meias especiais, como mostrou Pedri na final da Liga das Nações, ontem.
O Brasil tem alguns dos maiores talentos do mundo no gol, na zaga e à frente da defesa. No ataque, tem craques cujo drible, velocidade e criatividade também os colocam na elite internacional. Há talento suficiente para competir com os melhores, mas ver o Brasil ganhar a Copa pareceria bem mais palpável se não tivéssemos perdido dois anos e meio.
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