Rebeldia elegante
Morre Robert Redford, galã à moda antiga que se firmou como uma das grandes estrelas de Hollywood e alavancou nomes emergentes do cinema ao criar o Festival Sundance
Morre Robert Redford, galã à moda antiga que foi rebelde de seu tempo e um ativista ambiental
Estrela do panteão de Hollywood e vencedor do Oscar, ele conquistou gerações e alavancou carreiras de nomes como Quentin Tarantino ao fundar o Festival SundanceBruno Ghetti - Jornalista e crítico de cinema
17 Sep 2025
17 Sep 2025
Folha de S.Paulo
Morreu nesta terça-feira, aos 89 anos, o ator e cineasta Robert Redford, uma das maiores estrelas de Hollywood entre as décadas de 1960 e 1990. O astro estava em sua propriedade no estado americano de Utah e dormia no instante da morte, que não teve a causa informada. Sua última aparição no cinema havia sido em “Vingadores: Ultimato”, lançado há cerca de seis anos.
Consta que o diretor Mike Nichols queria Robert Redford para o papel principal de “A Primeira Noite de um Homem”, de 1967, bem antes de o personagem lançar Dustin Hoffman ao estrelato. Mas, ao ver os testes do ator, então no esplendor dos seus trinta e poucos anos, Nichols percebeu que a escalação seria impossível —o rapaz loiro, atlético, seguro de si simplesmente não convencia como o sujeitinho perdido que precisava batalhar para conseguir conquistar uma garota.
Tal episódio ilustra aquele que talvez tenha sido o grande impasse da carreira de Robert Redford —o que a figura dele dizia nem sempre ia de acordo com o que o temperamento do ator buscava. Redford procurava projetos com certo nível de arrojo, até risco, condizentes com as aspirações de sua geração. Mas havia algo nele que remetia a um homem de tempos anteriores, que o tornavam o astro dos sonhos para projetos de perfil mais antiquado.
Por um bom tempo, a persona cinematográfica de Redford ficou em um meio de caminho entre duas eras. Hollywood não tinha muita certeza de como aproveitá-lo —afinal, era um galã à moda antiga, como sua radiante beleza física de garoto californiano dava a entender? Ou era um rebelde dos novos tempos, mais afeito às subversões da contracultura que começaram a pulular a partir de meados dos anos 1960?
Se na tela ele tinha a elegância de um Cary Grant, a virilidade de um Gregory Peck e o sorriso de um Rock Hudson, seu temperamento era por demais antenado a um mundo posterior ao desse tipo de estrela. Na tela, no entanto, por vezes sua beleza comprometia seu rendimento nos filmes em que ele preferia atuar.
Era um ator treinado, de grande eficácia, mas faltava a ele a insolência de um Jack Nicholson, a intensidade de um Al Pacino ou a excitante qualidade de estrela improvável do próprio Dustin Hoffman.
Redford tinha uma presença sempre mais comedida, nunca excessiva. Tinha uma afabilidade maior, talvez uma certa apatia que, curiosamente, por vezes lhe foi benéfica em alguns papéis. Embora também pudesse encarnar o herói cheio de energia. Mas, sobretudo, tinha o mais importante —charme. Era sempre muito agradável de ver. Não foi à toa que se tornou um dos maiores astros de sua época.
Nascido em 1936, começou a atuar no fim da década de 1950. Nos primeiros anos, é claro, foi muito aproveitado pelo físico, sobretudo em papéis na TV. Teve a primeira chance real no cinema em 1965, em “À Procura do Destino”, de Robert Mulligan, com um personagem difícil, sexualmente dúbio —poucos iniciantes conseguiriam performar o papel com tanto instinto. No ano seguinte, faria seu primeiro longa com o futuro parceiro constante Sydney Pollack, “Esta Mulher É Proibida”, e outro filme importante, “A Caçada Humana”, de Arthur Penn.
Seu carisma nos palcos, quando protagonizou a badalada peça de Neil Simon “Descalços no Parque”, o fez reviver o papel na versão para o cinema, de 1967, de Gene Saks, ao lado de Jane Fonda. Depois, mostrou que parecia ser a metade perfeita —se a outra fosse Paul Newman— para os chamados “buddy films”, os filmes de amigos, em “Butch Cassidy”, de George Roy Hill, de 1969, que o firmou no topo de Hollywood.
“Golpe de Mestre”, de Roy Hill, ganhou o Oscar de melhor filme e lhe deu uma indicação como melhor ator, a única por uma performance. Mas ele fez também um filme mais substancioso, “Nosso Amor de Ontem”, de Pollack, em que Barbra Streisand era uma ardorosa militante pacifista que só faltava devorar com os olhos.
Ele também foi um importante ativista ambiental. Pedia a conservação dos parques nacionais em seu país, advogava por iniciativas no uso de energia solar e eólica, e alertou sobre o aquecimento global. Em 2005, criou a The Redford Center, que promove documentários sobre temas ambientais.
Seu interesse pelo ativismo aumentou com o filme “Todos os Homens do Presidente”, de 1976, no qual interpreta um jornalista que investiga o esquema de corrupção que tomava a Casa Branca na época do mandato de Richard Nixon.
O ator continuaria uma grande estrela por anos e mais anos, mesmo com o avançar da idade. Brilhou em filmes como “Entre Dois Amores”, de 1985, de Pollack, em que tem uma inesquecível cena em um avião, sobrevoando o Quênia segurando a mão de uma apaixonada Meryl Streep.
Mas àquela altura Redford já havia buscado novos meios de se destacar no cinema. Estreou como diretor já ganhando um Oscar, por “Gente como a Gente”, de 1980, sobre uma família em crise.
Ele faria outros filmes importantes, como “Nada É para Sempre”, de 1992, que fez Brad Pitt explodir e se tornar um sucessor redfordiano, e “Quiz Show”, de 1994, que lhe daria outra indicação ao Oscar —e que talvez seja seu melhor filme na direção.
Mas deu outra contribuição para o cinema de maneira mais discreta, nos bastidores. Nos anos 1980, desenvolveu em uma pequena cidade do estado de Utah um centro para o surgimento de novos nomes do cinema, destacando diretores independentes.
Nasceu assim o Festival Sundance, ainda hoje um dos mais relevantes do mundo, e que já permitiu o desabrochar de talentos como Quentin Tarantino, Todd Solondz e Kevin Smith. Só isso já o tornaria uma figura de importância máxima. Se como ator ele sempre esteve de certo modo atrelado à Hollywood do passado, nos bastidores foi um dos grandes propulsores da Hollywood do presente e do futuro.
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Robert Redford, com toda a sua rebeldia, fez retrato humanista e político do cinema americano
É difícil encontrar um filme inconsequente na filmografia parruda do cineasta, um dos maiores galãs de sua época, que morreu nesta terça-feira, aos 89 anos
17 Sep 2025 - Folha de S.Paulo
Inácio Araujo - Crítico de cinema da Folha
Diferente da média, Robert Redford sempre foi. Por exemplo, tendo nascido em Los Angeles, ao contrário de quase toda Hollywood, nunca viu aquela como uma cidade aonde se chegar, mas de onde sair. “Eu nasci no fim do arco-íris. Não vi o arco-íris.”DivulgaçãoO cineasta Robert Redford durante as gravações do filme ‘Quiz Show: A Verdade dos Bastidores’
Gostava da Los Angeles onde nasceu, em 1936, mas não daquilo em que a cidade se tornou após a Segunda Guerra: enorme e rica. Seu pai era contador. Sua proximidade era com a mãe, que o aproximou dos livros. Isso era uma coisa. A disciplina, outra. Rebelde, foi expulso de várias escolas antes de ir para a Universidade do Colorado, com uma bolsa obtida graças a suas habilidades como jogador de beisebol.
Foi lá que, disse, se apaixonou pela natureza. Sua militância ambientalista vem desse momento. A parada seguinte foi em Paris, onde estudou artes por um ano e meio no começo dos anos 1950. Ali lhe perguntaram sobre sua posição política. Nunca tinha pensado no assunto. Nunca mais deixaria de pensar.
A natureza, a liberdade, a política foram fatores decisivos em sua carreira. Talvez a rebeldia da juventude o tenha levado ali —Redford representou sempre o lado mais humanista e progressista do cinema americano. Consulte-se sua filmografia. Comédia, drama, filme político —é difícil encontrar um filme inconsequente.
Depois de se transferir das artes plásticas para as artes dramáticas, após voltar da França e se fixar em Nova York, encontrou o que seria seu caminho. O início foi no teatro, de onde passou ao trabalho em séries de TV —várias delas boas, como “Perry Mason”, “Além da Imaginação”, “Alfred Hitchcock Presents”— e, finalmente, chegou ao cinema, primeiro com Robert Mullingan, em “A Procura do Destino”, de 1965, e depois com Arthur Penn, em “Caçada Humana”, de 1966.
Seu primeiro papel, o que o tornou conhecido, foi com Natalie Wood em “Esta Mulher É Proibida”, de 1967, primeiro filme de Sydney Pollack, com roteiro de Tennessee Williams e Francis Ford Coppola.
O que veio depois foi uma enxurrada de sucessos em filmes invariavelmente marcados pela generosidade e olhar liberal, como o faroeste “Butch Cassidy”, de 1969, e a comédia “Golpe de Mestre”, de 1972, longas que consagraram sua parceria com Paul Newman. A preocupação com os povos indígenas dos EUA é clara em “Mais Forte que a Vingança”, também de Sydney Pollack, em que o homem solitário descobre no índio uma fonte de conhecimento e de modos de convivência.
O jornalismo também podia ser uma forma de engajamento, e isso é o que se pode ver em “Todos os Homens do Presidente”, filme de Alan J. Pakula de 1976.
Redford era, ninguém duvida, um rosto bonito, um dos principais galãs de seu tempo. Um ótimo ator também. Mas isso não o contentava. Primeiro, instalouse em Utah, estado de sua primeira mulher, Lola van Hanegen, onde comprou uma propriedade.
Fez desse lugar a sede do famoso Festival Sundance do cinema independente, criado em 1978 e destinado a abrigar filmes com ambição artística, num cinema americano que se voltava nas telas aos blockbusters e aos efeitos especiais.
Sua divisa era sempre olhar para frente, não se contentar com o que já havia feito. Foi fiel a essa máxima. Como produtor, aliás, esteve duas vezes com Walter Salles nos longas-metragens “Central do Brasil”, em 1998, e “Diários de Motocicleta”, de 2003.
Passou também à direção, o que lhe valeu o único Oscar que ganhou, e logo na estreia, em “Gente como a Gente”, drama que estreou em 1980. Foi o primeiro dos dez filmes que ele dirigiu.
Voltou a concorrer na categoria uma segunda vez com “Quiz Show”, de 1994, que talvez fosse até superior ao primeiro, mas não ganhou. Levaria um Oscar honorário pela carreira e, de quebra, foi homenageado com a Medalha da Liberdade, por Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos.

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