Os 12 trabalhos de Ancelotti
Italiano fará seu segundo jogo na seleção; aí, faltarão dez até a Copa
Ele terá de matar um leão por dia, uma hidra por semana, aves todos os meses, capturar cavalos, touros, corças e javalis, cães e touros, limpar os estábulos da CBF, e até buscar o cinturão, ou a faixa, os pomos de ouro do hexacampeonato
Juca Kfouri
8 Jun 2025 - Folha de S.Paulo
Em Guayaquil, ao nível do mar porque também os equatorianos que jogam fora sofrem na altitude de Quito, Carlo Ancelotti estreou com positivo, sofrível e sofrido 0 a 0.
Com o que terminou a rodada das Eliminatórias em deprimente quarto lugar.
Positivo, está escrito, apenas porque a seleção equatoriana era favorita e, sem sua dupla de atacantes mais letais, Enner Valencia e Plata, pouco incomodou a meta brasileira.
Na verdade, as melhores chances de gol acabaram por ser brasileiras, embora nada que justificasse ganhar o jogo.
Esperar milagres de Carlo Ancelotti fez parte do insistente pachequismo nacional.
Em enquete feita na TV UOL, 55% dos torcedores cravaram vitória brasileira apertada, 23% apostaram em goleada, 16%, no empate, e apenas 6%, na derrota.
Ou seja, 78% acreditavam num triunfo, baseados em absolutamente nada, ou, pior, em são Ancelotti.
O italiano mascou nove chicletes pacientemente e se comportou feito lorde, sem revelar na face o descontentamento que lhe consumia a alma.
Ancelotti não é o são Francisco de Assis, e seu primeiro trabalho pela América do Sul pode ser considerado bom —apenas pelo resultado.
Na próxima terça-feira, em Itaquera, será a vez do segundo trabalho, contra o Paraguai, que, a exemplo da Argentina e do Equador, está na frente do Brasil. Só dois pontos, mas à frente (a Argentina está 12…).
Quem viu Portugal ganhar da Alemanha de virada por 2 a 1, em Munique, e o festival de futebol em Espanha 5 x 4 França, pela Liga das Nações, percebeu que a diferença do futebol de lá para o de cá é diretamente proporcional à diferença entre o basquete daqui para o da NBA (Haliburton, Haliburton, Haliburton!!!).
Ancelotti sabe disso e certamente assistiu aos dois clássicos europeus para concluir que as Eliminatórias são seu menor problema. Duro será fazer bonito na Copa do Mundo.
Para tanto, ele terá mais três jogos oficiais, contra Paraguai e Chile, no Brasil, e Bolívia, na infernal altitude de La Paz, onde poderá experimentar o chiclete de coca.
Garantida a vaga na Copa norte-americana, coisa obrigatória até para um pecador, Ancelotti terá oito amistosos até a estreia.
Faltam, portanto, 11 dos 12 trabalhos de Ancelotti. Ele terá de matar um leão por dia, uma hidra por semana, aves todos os meses, capturar cavalos, touros, corças e javalis, cães e touros, limpar os estábulos da CBF, e até buscar o cinturão, ou a faixa de campeão, os pomos de ouro do hexacampeonato.
Pois viu em Guayaquil o tamanho da dificuldade, e, se alguém disse a ele que em Itaquera será mais tranquilo, terá mentido deslavadamente.
Porque, se a seleção repetir a atuação no Equador, ouvirá vaia colossal, tradição nos estádios paulistanos desde o velho Pacaembu e do Morumbi, antes de violentarem o nome do primeiro e adocicarem o do segundo.
Ancelotti está diante de desafio realmente hercúleo para responder perguntas simples como: por que Vinicius Junior não joga de amarelo ou azul como de merengue?
Ou: por que Bruno Guimarães engole a bola no Newcastle e tem indigestão com ela na seleção?
Ainda bem que o filho de Zeus não era apenas forte e valente. Era também muito inteligente, como ficou claro na resolução dos Doze Trabalhos.
Juca Kfouri
Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP
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Faltou a melhor parte no jogo da seleção
Ideia era atrair Equador e contra-atacar; contra o Paraguai, na terça, será melhor
Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina
Se o treinador da seleção fosse qualquer outro brasileiro, diriam que ele organizou uma forte retranca no empate por 0 a 0 com o Equador. Os sete defensores (quatro da defesa e três do meio-campo), às vezes oito com o recuo de Estêvão pela direita, bloquearam a entrada da área com eficiência. O Equador não teve uma única clara chance de gol, por causa do posicionamento e da qualidade dos defensores e da enorme deficiência dos atacantes equatorianos. Os dois titulares, Valencia, que joga no Inter, e Plata, do Flamengo, fizeram muita falta.
O estrategista Ancelotti, preocupado com o grande número de gols sofridos pela seleção nas Eliminatórias, planejou a marcação recuada para atrair o Equador e contra-atacar com os velozes Vini e Estêvão. Funcionou bem apenas a primeira parte. Faltou a mais importante. Esta é a grande transformação do futebol nos últimos anos nas grandes equipes: valorizar muito mais a beleza e os lances ofensivos do que os defensivos.
Os três meio-campistas do Brasil marcaram muito, mas não conseguiram sair da marcação, trocar passes e ter o domínio da bola. Nas poucas vezes em que Vini e Estêvão tinham a bola, não conseguiam driblar os marcadores. Richarlison, quando recebia a bola, entregava-a para o adversário.
Casemiro comandou o sistema defensivo. O estreante Alexsandro esteve muito bem. É alto, forte e rápido e tem um bom passe. Ele e Marquinhos fizeram uma ótima dupla. Os dois laterais, que não passaram do meio-campo, também marcaram bem.
Na terça, contra o Paraguai, deve ser diferente e melhor.
Mesmo se Ancelotti mantiver todos os titulares, a equipe deverá ter mais a bola e criar chances. Gerson e Bruno Guimarães precisam se aproximar mais dos três da frente.
Atuar com três meio-campistas, como fez o Brasil, não significa jogar com três volantes. Portugal e Espanha, que farão neste domingo (8) a final da Liga das Nações, atuam com três no meio-campo e são times que se destacam pelo ataque. Os três de cada equipe são habilidosos, possuem ótima técnica e deslizam no gramado, de uma intermediária à outra. Marcam, criam e atacam. É bonito vê-los jogar.
Está ultrapassado atuar com dois volantes apenas marcadores em linha, com um meia de ligação, camisa 10, centralizado e responsável por toda a armação das jogadas, além de dois pontas abertos, isolados, e um centroavante estático finalizador, camisa 9. Cristiano Ronaldo, que fez o gol da vitória por 2 a 1 de Portugal sobre a Alemanha, é uma merecida exceção, pois tem 40 anos e talvez seja o maior finalizador da história do futebol, o que não significa que seja o melhor jogador de todos os tempos, como ele acha que é.
Enquanto o Brasil carece de craques no meio-campo, que atuam de uma intermediária à outra, sobram esses jogadores nas seleções de Portugal e Espanha. Por outro lado, as duas seleções mostraram problemas defensivos. Nada é perfeito.
A minha esperança é que Ancelotti forme um time equilibrado, muito bom na defesa, no meio e no ataque. Mais que isso, que a seleção seja o gatilho para uma transformação do futebol brasileiro, dentro e fora de campo, no gramado, na organização e na compreensão da maneira de ver o futebol moderno.
dom. Tostão, Juca Kfouri seg. Juca Kfouri ter. Sandro Macedo qua. Tostão qui. Juca Kfouri sex. No Corre/o Mundo é uma Bola sáb. Marina Izidro
Que a seleção seja o gatilho para uma transformação do futebol brasileiro, dentro e fora de campo, no gramado, na organização e na compreensão da maneira de ver o futebol moderno
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